Fui ver ‘Scroll’, a produção com que a ArQuente tem andado a intimidar o Algarve. Ainda bem que fui desprevenida, sem saber o que se passaria em palco. Porque, embora cada apresentação de ‘Scroll’ resulte num espetáculo irrepetível, interessante na proposta dos sete atores que compõem esta performance insólita é irmos sem sabermos ao que vamos.
Não vou dizer que o espetáculo me tenha impressionado profundamente. Mas seria injusto da minha parte não confessar a forte admiração pela coragem de pessoas que se atiram para o palco sem, também elas, saberem ao certo o que está para vir. Do princípio ao fim, expõem-se ao risco e neste caso o risco é medonho. Porque depende de suportes tão frágeis como a inspiração e o estado de espírito, nem sempre permeáveis à vontade. Por sorte, cada um deles à sua maneira, pode servir-se sem freios da capacidade que revela para o improviso, mas especialmente da sensibilidade e da inteligência. Tanto as próprias como as dos outros seis. Não é fácil. Sobretudo quando a finalidade na partilha do palco é construir fios que possam enredar-se no inesperado, sem lógica, mas com efeito no público. Por isso é que temos bons momentos e outros de complexidade mais oscilante.
O encenador Gil Silva diz, no final da ‘peça’, que desta vez não há personagens mas sim pessoas em interação. O que nos leva a concluir termos estado a assistir a um ‘despimento’ (a expressão também é sua) de sete pessoas que se arriscam à frente de desconhecidos. Uma espécie de catarse, afirma. Mas é aqui que, a meu ver, o público podia ser exigente. Embora reconheça a inquestionável ousadia dos atores para enfrentarem o desafio deste jogo perigoso sem recurso a rede (neste caso, um guião), o que apetece é pedir-lhes mais. Mais vertigem. Que lhes permitisse ir ao fundo, abandonando o conforto da frivolidade, para rasgarem a pele e deixarem sair o que se percebe ser reprimível. Teríamos um resultado trágico provavelmente (ou sem dúvida), mas arrisco a pensar que valeria muitíssimo a pena.
Isto sou eu a divagar e esta é claro uma opinião influenciada ainda pela singularidade do espetáculo que, mesmo sem o grande esforço para romper a superfície, nos oferece muito do que cada um dos atores tem de mais genuíno, de mais infantil e até de mais puro. O que nos comove em certos instantes. Até porque, durante alguns dos cerca de 60 minutos, questionamo-nos até que ponto alguns deles não se vestiram já de ocultos personagens, para se libertarem de si próprios e poderem ser quem são. Mas este será, quanto a mim, um exercício que cabe ao público, sentado em círculo e por isso irremediavelmente cúmplice de uma cena que só pretende esgotar o tempo. Um público, se calhar, conivente até nos receios mal disfarçados. É que, para lá das (algumas) gargalhadas que vão reclamando aqui e ali, há uma permanente ameaçada de os atores se transformarem em espelhos dos espetadores e deixá-los assim despidos também. Até à intimidade. Não sei… Eu gostei!